terça-feira, 17 de março de 2015

Uma Passagem para Mario, 2014


Submerso. Começo o texto com esse significado. "Uma Passagem para Mario" nos provoca com o imerso, de um refletir sobre o amor. Amizade que existe, se desfaz, se aprende, se refaz. Luto. Uma passagem passageira de solidão, para e com o Mario, se torna, tão rápido, sem. Pra quê planos? Me pergunto. Se não o registro oportuno de um sempre amigo sorridente. O sempre perdeu a validade. 

Esse lindo documentário de 2014, fala sobre amizade. Ao contrário. Pois, diferentemente do normal, a amizade não se constrói, se perde. Mario do título é um ser humano encantador - ficará claro ao longo - gosta de mergulhos, sempre sorridente, enfim, descobrimos logo no início que ele está fazendo um tratamento para o câncer. Já parece muito debilitado, nunca caindo no coitadismo, pois sua personalidade extrai uma felicidade encantadora. Ele tem um amigo chamado Eric Laurence que, por sua vez, é o diretor do documentário. Eric incentiva o seu amigo a fazer mini-registros da sua família, amigos, rotina, para levar em uma viagem - que ambos estão programando - ao deserto de Atacama e ao salar de Uyuni. Essa viagem também será registrada. 


O filme começa com uma filmagem do Mario em um mergulho. Estampando um sorriso, como de costume, somos apresentado ao personagem que, mesmo nas cenas que não aparece, está presente. Ele se preocupa em alertar o médico sobre o desejo de viajar da Bolívia para o Chile, tomando as devidas precauções antes da aventura com o amigo Eric. 

Eric faz, então, o que seria o seu último registro audiovisual. Deixando a família e, claro, o amigo nessa pobre existência passageira. É quando o Eric Laurence parte em rumo a Bolívia, destinado a atravessar até o Chile, fazendo o mesmo trajeto que planejava com o amigo, inclusive é mostrado o roteiro, em dado momento. Se a ideia era fazer um documentário sobre a fome de viver do Mario, o filme passa a ser um registro de luto. Eric Laurence caminha sozinho. Filmando a estrada, os detalhes, como se o espectador fosse seu amigo que acabara de falecer, nós(Mario) temos a oportunidade de acompanhar seus passos, nos sentindo próximo não só do lugar, como do sentimento da perda. Ao longo ele entrevista alguns desconhecidos, como músicos de rua e trabalhadores, com perguntas sempre direcionadas a morte e amizade, em uma das entrevistas, com três músicos, eles se emocionam em falar que, apesar de se conhecerem há três semanas, eles sentem, de alguma maneira, que eles estão construindo uma família. Um ótimo oposto, entre o fim e o começo, estável e flexível. 

Poucas vezes no cinema a viagem foi tratada de modo tão visceral quanto nesse, ela se sustenta com a ideia de um objetivo, mas se desenvolve em base ao respeito pela memória. Eric perde e vai. Recuperando um isolamento, processando o quanto a vida é frágil. Engraçado, todos falam isso "a vida passa rápido" mas será que temos, de fato, consciência disso? Hoje mesmo ouvi uma sábia frase "a gente percebe que está ficando velho, quando pessoas da nossa idade começam a morrer de formas naturais". É inerente ao ser se achar um pouco imortal, não fazer o que se quer é uma prova disso. Se eu não o fizer, quando vou fazer? Uma hora ou outra, percebemos a nossa finitude, pode ser da forma mais simples possível, mas sempre acontece. Então bate o desespero, esse espetáculo acaba. Infelizmente. Eu não vou falar de novo que a arte imortaliza e, portanto, Mario ainda vive. Mas certamente tenho que ressaltar que, apesar do filme ser imensamente triste, ainda vejo otimismo, em ver um personagem tão interessado na vida, tão espontâneo, mesmo tão perto da morte. 


Mario, mesmo em tratamento, começa um namoro, aliás, resulta em uma cena hilária, onde ele narra suas preocupações para com a relação sexual. Mesmo com toda uma vida, cercada de pessoas que o amam, ele mantinha com o amigo a ideia de criar, produzir arte, afim de se dividir, viajar, iluminar, conhecer. Outro lado positivo do documentário é mesclar a viagem solitária de Eric com o motivo da mesma, com os fragmentos da vida de Mario. 

Chegando no tão almejado deserto, Eric projeta nas rochas os vídeos do amigo que assistia no notebook. A iluminação, as cores, o vídeo, a rocha, a verdade, tudo é tão crível e profundo, resultando em uma das cenas mais lindas que eu já vi, reafirmando não só a amizade que existe ali, como a missão cumprida. Uma missão para ele mesmo, se desamarrar dessa linda lembrança, afim de seguir em frente, mesmo que um pedaço grande dele tenha partido. Ao final, fica a sensação de um milagre, audiovisualizando a natureza selvagem, ressaltando a importância que tem para o olhar, olhar o identificável. A verdade pode sim se eternizar, não só no coração de um indivíduo, de muitos, como eu que, enquanto subia os créditos finais, chorava por ter perdido um querido amigo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...