sábado, 20 de setembro de 2014

Calvary, 2014


Um padre é ameaçado de morte em pleno confessionário: deve acertar as contas com quem desejar, pois será morto no domingo seguinte. Será a ameaça séria? Como lidar durante os dias que antecedem o fatídico domingo?


John Michael McDonagh, irmão do diretor Martin Mcdonagh ( Six Shooter e Sete Psicopatas e um Shih Tzu ) é um nome que me chamou atenção após assistir ao sensacional "O Guarda". Esse filme, primeira realização dele, antes só era conhecido pelo roteiro de "Ned Kelly", é uma obra autoral, de alguém que realmente tem muito conteúdo para mostrar mas, elegantemente, não precisa ficar jogando na cara isso. Pautado em um humor negro maravilhoso, faz com que a história - toda desenvolvida nas ruas - beire o inacreditável. Sem contar a belíssima atuação do maravilhoso Brendan Gleeson, que com sua postura cômica nos prende do início ao fim.

Três anos depois, o diretor nos presenteia com "Calvary", também protagonizado pelo Brendan Gleeson, e eu começaria destacando a principal diferença: a densidade. Por algum motivo, que aqui tentarei descobrir, o clima do filme é uma constante tensão, fica claro que é proposital, é só olhar a sinopse do filme, mas ultrapassa esse limite, entrando em uma tensão sobre a igreja, influência e o quão humano somos, mesmo diante da nossa eterna tentativa de nos escondermos em baixo de "uniformes". Em determinado momento, inclusive, um personagem chama atenção do padre com uma pergunta sobre sua batina, ressaltando o seu tradicionalismo.



O filme começa já com um diálogo chocante, algo comum ao longo, onde um homem, no confessionário afirma que experimentou sêmen aos 7 anos, levantando um silêncio constrangedor, uma falta de reação do padre James. O moço, evidentemente perturbado, clama por atenção e questiona pela falta de resposta, no qual o padre retruca: Começar assim é um pouco assombroso, o que quer dizer de fato?

Essa resposta resume todo o filme, pois todas as afirmações e/ou reflexões ao longo, até do próprio padre, será feita diretamente, sem floreios, sustentados, claro, pelo humor negro, que já pode ser considerado marca do diretor. O moço do confessionário, então, explica que fora abusado por um padre aos 7 anos, recusando qualquer ajuda a superar, ou seja, preferiu viver com o segredo até encontrar um alvo para compartilhar a sua dor. 

Beleza, dado essa cena inicial, que não deixa de ser bem bizarra, confesso que tive que após terminar o filme, eu voltei tudo e assisti novamente, pois no fim percebemos que é encantadora. Pois através dela, o padre tem a oportunidade de repensar os seus métodos, o seu tratamento para com as pessoas. Aliás, os personagens que aparecem - e são bastantes! - tem uma enorme relevância, pois são os únicos pontos de ligação entre a cena inicial e o homem perdido ( padre ). 



O que mais chama a atenção, sem dúvida, é a questão da igreja e a relação que o padre James Lavelle tem com ela. Pois ele é um de seus representantes, mesmo que muitas vezes ele aja como um lobo solitário. Ou melhor, ele está muito longe de ser algo tradicional, e deve ser exatamente por isso que questiona sua fé/posição o tempo todo. Chora pelo cachorro morto, mas não pelos abusos a crianças, mas será que é justo resumir os atos da igreja em um só homem? Ou melhor, até que ponto termina o homem e começa a igreja?

O fato é que tem algumas questões que ultrapassam as barreiras de uma cidade pequena da Irlanda e invade o mundo. Há sarcasmo o tempo todo, muito relacionado com "casa de deus" como "será um dia negro quando a igreja não se interessar por dinheiro". Mas em nenhum momento são vazias, todas extremamente importantes para reflexões a caminho de um desfecho impactante. No fim, "se fala muito de pecado e pouco de virtude"


Obs: Vencedor do Prêmio do Júri Ecumênico no Festival de Berlim 2014 e de Melhor Filme do Ano e Melhor Ator (Brendan Gleeson) pela Academia Irlandesa de Cinema.

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