domingo, 20 de abril de 2014

Clube dos Cinco - Parte 1


Eu sempre me senti perdido. Isso só agravou na minha adolescência. Minha existência era sentida como desnecessária, meus objetivos eram inexistentes. A rua se tornou minha amante, a solidão minha mulher. "Minha mulher", nesse mesmo sentido de posse, possuo o estar só. O mundo se tornou uma tela de cinema e, por isso, eu me torturava por apenas assisti-la, enquanto pessoas iguais a mim se desenvolviam como protagonistas. Eu, mero coadjuvante da loucura do existir, comecei a apreciar a diferença. Me distanciando ainda mais dos amigos, das namoradas, da vida. 

Sempre amei o indivíduo e odiei a massa. No auge da minha rebeldia, custava acreditar que as pessoas precisam usar máscaras para esconder segredos guardados do coração. Para mim, todos deveriam ser os próprios, assumindo ter medo, assumindo estar perdido, assim como eu. Será que sentia tudo aquilo sozinho? Ou era o único que pensava sobre a questão? 

Enfim... nossa vida social é, hoje mais do que nunca, construída através das diversas tribos que se formam. Em base a estilo musical, pensamento político/filosófico ou até mesmo opção sexual. Criando, assim, uma rede de diversidade e, perigosamente, um turbilhão de preconceitos. Buscamos estar perto quando, na verdade, ficamos cada vez mais longe um dos outros.  O outro se torna reflexo no mesmo tempo que a nossa própria imagem se desfaz. Se consome. Se esquece.

Qual é o sentido de ser jovem? Qual é o problema em querer ser eterno? O que seremos?

Reflexões existenciais existem desde que o homem pisa na sua linha do tempo. Suas ambições são moldadas por outrem. Seus educadores depositam todos os seus fracassos, como se o filho fosse o Superman, o escolhido para sustentar toda uma esperança. Ora herói, ora vilão. Mas é o filho que será o salvador de toda uma geração afogada na própria ilusão. 

Ter uma família não é fácil. Entregar a sua criação para estranhos é mais ainda. Os pais protegem - ou deveriam - até o filho criar asas e ir para uma casa cheia de criações chamada: escola. É esse o primeiro contato social do filho, onde ele será exposto a diversidade e tem, como meta, a responsabilidade de entender que elas existem e precisam existir. Deveria, ao menos. 


Educação é uma sucessão de "deverias". Ensinar é uma prática nobre da qual, hoje em dia, se encontra um pouco banalizada. Se buscarmos na essência, a palavra paidagôgós ou pedagogo é uma junção de paidos ( criança ) com agôgè ( ação de conduzir ). Era representado no dia a dia pelos escravos que acompanhavam as crianças até a escola e ajudavam depois nas tarefas escolares. Repare bem na palavra escravo. Associando imagens que conhecemos através da mídia, com a função de ser um pedagogo, chega a ser curioso pensar que uma função, hoje tão cobiçada, começou com pessoas livres de qualquer interesse pessoal. Ora, eram pessoas até mais relevantes que os grandes senhores, porém, escravos. 

Como e quem pode ensinar?

Para terminar a parte de citações e entrar na realidade escolar que temos na atualidade, busco aqui uma fábula do grande Rubem Alves, que se chama "O Currículo dos Urubus":

“O Rei Leão, nobre cavalheiro, resolveu certa vez que nenhum dos seus súbditos haveria de morrer na ignorância. Que bem maior que a educação poderia existir? Convocou o urubu, impecavelmente trajado em sua beca doutoral, companheiro de preferências e de churrascos, para assumir a responsabilidade de organizar e redigir a cruzada do saber. Que os bichos precisavam de educação, não havia dúvidas. O problema primeiro era o que ensinar.

Questão de currículos: estabelecer as coisas sobre as quais os mestres iriam falar e os discípulos iriam aprender. Parece que havia acordo entre os participantes do grupo de trabalho, todos urubus, é claro: os pensamentos dos urubus eram os mais verdadeiros; o andar dos urubus era o mais elegante; as preferências de nariz e de língua dos urubus eram as mais adequadas para uma saúde perfeita; a cor dos urubus era a mais tranquilizante; o canto dos urubus era o mais bonito. Em suma: o que é bom para os urubus é bom para o resto dos bichos."

Esse trecho é interessante para compor uma ideia que desenvolverei a seguir, mesmo que não tão explícito, que diz respeito ao único interesse. Professores irão se identificar com qualquer conversa sobre planejamento de aula, até porque é uma das partes mais complicadas que existem, e já se depararam com a questão "o que ensinar?". A escola entrega um caminho a se seguir, mas cabe a um indivíduo traçar o seu próprio, desprendendo-se de qualquer interesse pessoal. De forma que sinta os alunos, a realidade deles. De que adianta ser um urubu e querer que todos sejam urubus? Um dos principais erros, ao meu ver, que temos hoje é a grade curricular voltada apenas para a decoração das matérias. O senso crítico e o olhar artístico são deixados de lado para dar lugar aos "cdf" da física. Há pouco espaço para a sensibilidade. 

Os alunos se perdem em meio a cobiça, cresce o distanciamento para com seus professores e os desajustados não são incentivados à exposição. Os sábios não conseguem falar. O preconceito aumenta, as tribos se tornam inimigas uma das outras e o jovem se vê como mostro.

Como disse, a educação é uma sucessão de deverias. Por isso o bom professor é aquele que consegue ser aluno. Que sabe que nada está literalmente completo. Que tão pouco sabe das coisas, apenas molda a informação. Respeitando a diferença, o passado e o sentimento do aluno. No fim, as crianças só precisam ser tratadas com carinho. Já que o espaço escolar assumiu outras funções sociais como igreja e a própria família, não custa se ver como ser humano, antes de qualquer diploma. 

Obs: 1 - Um texto que escrevi que pode acrescentar no conteúdo desse é o sobre a nossa mania de definir as coisas: http://cronologiadoacaso.blogspot.com.br/2013/04/definicoes-problema-ou-solucao.html

Obs: 2 - Logo publicarei a resenha do filme: Nesse Link


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