segunda-feira, 8 de junho de 2015

O cronologia está de mudanças


Faz tempo que não posto nada aqui no blog. Nos últimos tempos aconteceram bastante coisas, uma delas - e a mais notável - é que o Cronologia do Acaso ( podcast ) agora é hospedado dentro do site Cinem(ação): http://cinemacao.com/category/cronologia-do-acaso/

Sim, para quem acompanha os textos, caiu aqui por acaso, esse blog atingiu uma dimensão de criação quase que incalculável. Por vezes até me sinto meio perdido com tantos projetos paralelos e, por conta disso, infelizmente, parei um pouco de escrever por aqui. Algo que eu sempre adorei fazer.

Então que conversando com meu amigo Sandro Macena resolvi parar de postar por aqui e ter outros blogs no Wodpress ( como um podcast chamado Cinema sem Causa que eu produzo e gravo, na maioria das vezes, sozinho ) para ter um blog só, no Wordpress, onde o cinema alternativo ainda seja compartilhado, mas também seja fácil para mim e confiável.

Portanto, venho aqui me despedir de vocês que são uns lindos por ter me acompanhado com tanto carinho nesse singelo lar.

MAS! Trago também uma novidade: a partir de agora, começando do "zero", mas sem esquecer esse espaço que tanto me foi útil, eu estarei no www.cronologiadoacaso.com.br escrevendo sobre cinema, postando novos episódios do Cinema sem Causa, enfim, espero todos vocês lá! 

Com carinho,
Emerson Teixeira Lima

sábado, 25 de abril de 2015

Gojitmal, 1999


Gojitmal que, em inglês, foi traduzido como “Lies”, ou seja, “Mentiras” é estranho, assim como a sua tradução. Estranho pois fiquei imaginando o motivo do título, seria uma irônia? Talvez, em qualquer situação poderia se tornar banal esse questionamento, mas aqui se faz necessário, ao terminar de assistir, tive a ligeira impressão de que o diretor, Jang Sun Woo, poderia ter extraído bem mais dessa história.

Não posso negar, aliás, que o início do filme é um primor, mesmo com uma filmagem que apresenta um certo desequilíbrio, senti como se fosse um voyeur, seguindo aqueles personagens comuns a caminho de suas próprias descobertas. Em muitos momentos a câmera se esconde atrás da parede, como se estivesse espionando o sexo, as pronúncias envoltas de muita excitação. Enfim, como disse, “Lies” me ganhou nesse início onde temos, representativamente, um diretor de cinema apresentando a ideia do próprio filme que virá a seguir, nas palavras dele a obra fala sobre possessão, o que me parece deveras interessante, temos dois personagens centrais que possuem um ao outro mas não se possuem, ou seja, vazios, não há identificação por eles, os mesmo não passam de almas penadas enquanto sozinhos, parece que voltam a vida quando estão, de alguma maneira, relacionados ao sexo. E bota sexo nisso, há em todos os momentos cenas picantes, sendo, inclusive, banido na Coréia do Sul em 1999.


A certeza que fica no início é realmente essas, o filme fugirá dos padrões, parecerá com um documentário e, ao longo, será inserido uma espécie de Making-of. Tentarei explicar, antes dos créditos iniciais o diretor fala para alguém – espectador – sobre o que trata o filme, vem os créditos e depois somos apresentados a personagem Y, uma menina de 18 anos que está indo encontrar um cara que ela fez sexo por telefone, depois corta e temos a atriz que interpreta Y falando, nos bastidores da entrevista para entrar no elenco, que se estava se sentindo um pouco desconfortável por estar fazendo um filme que apareceria bastante tempo nua. Bem, é uma loucura, mas genial. Não me lembro de outro filme utilizando esse artifício, para mim foi uma novidade maravilhosa.

Y encontra J, ela uma menina de 18 anos e ele um homem de 38, sua mulher está em viagem e ele conhece Y no telefone, fica claro que ambos já se excitaram um com o outro, por meio da voz. Ela até fala que não teria como não aceitar encontrá-lo pois tinha ficado molhada apenas ao ouvi-lo. Bem, eles vão para um quarto de motel – durante uma hora e quarenta minutos, vinte minutos é de filmagens externas e uma hora e vinte é tudo dentro de quartos – e lá se conhecem visualmente, cada detalhe, a calcinha, o pênis, o cheiro da axila (?) enfim, é de se admirar(estranhar) a naturalidade que eles agem no primeiro encontro, ou esse seria simplesmente uma consequência da afinidade adquirida por telefone, ou seja, sem o toque. Ele narra suas ações, fala do corpo dela, pergunta se sabe o que está fazendo, avisa o momento de penetrá-la, enfim, alguns exageros mesmo, até que esses encontros vão tomando outras consequências, ele começa a levar uma mala com chicotes, varas, madeiras e, juntos, aderem o espancamento no bumbum, também conhecido como sadomasoquismo.

Em tempos de “50 Tons de Cinza”, Lies é uma bela contradição, filme Sul Coreano, meio perdidinho, difícil de digerir, enfim, poderia ser muito mais bem elaborado, infelizmente acaba se perdendo na mesmice, pois da metade para frente é só bunda erguida para levar palmada, os dois protagonistas – ou seria apenas um? - chegam ao cúmulo de sair pelas ruas procurando pedaços de madeira e outras coisas para bater e apanhar, grotesco mesmo é quando eles passam do lado de uns pedreiros e a Y dá uma observada em um martelo, imaginei um letreiro de pensamento em baixo assim: “com isso eu faria estrago”.
Bem, tirando a babaquice, tem uma coisa que achei muito interessante, é feito uma analogia do ato de apanhar com as lembranças de quando criança, J afirma que, enquanto apanha, é como se transportasse para sua infância, enquanto Y coloca, logo após, que sente como sua mãe, se não bastasse, ela curando dos ferimentos representa um amor maternal mesmo, só que nesse caso ela mesma fez isso com ele com uma vara... pensando bem, as mamães também batem nos seus filhos e, logo após, cuidam dos ferimentos, seriam as mamães as primeiras a depositar a ideia do prazer em apanhar nas pessoas? Fica ai esse insano questionamento.

Não poderia deixar de citar uma frase, ainda no primeiro encontro deles, onde J fica lambuzando o cu da pequena ninfeta, avisando-a que irá penetrá-la, ele então solta um “imagine meu pau como merda”. É para dar risada, se caso não tivesse um mínimo de sentido. Mas, espera um pouco, quem fala isso para o parceiro? Será que o sadomasoquismo, então, começa com o próprio diálogo?

Eles passam por diversos motéis, todos eles funcionam como um ninho de amor e interpretação de quem são e, principalmente, o que gostam. Em dado momento Y coloca, expressivamente, que queria cortar o pau do seu amante e guardar. Então deve ser isso, um enorme carinho em possuir, confirmando o que o tal diretor disse lá no início, apesar de improvável, o filme realmente fala de possessões, introduções, seja na vagina, no cu, na mente ou no nariz. O que importa é ter para si o corpo de alguém e, fazer desse alguém o seu destruidor, construindo dores.

Quanto ao título do filme, que me interroguei no início:

“ minha esposa viu o "meu amor" tatuado na minha coxa, me perguntou o que significava aquilo. Então eu comecei a mentir.”


segunda-feira, 13 de abril de 2015

O Universo no Olhar, 2014




Se tem uma coisa que eu admiro em qualquer área da vida é a paixão/entrega.  Acho que são justamente esses fatores que separam os meninos dos homens, ou melhor, nobres dos bárbaros. Quanto ao cinema, mantenho minha postura, aprecio a ânsia por realizar que seletos diretores têm. Mike Cahill, um jovem de 35 anos, é mais um dos nomes que vão direto para essa gaveta especial do meu coração. Começou a realizar documentários aos 17 anos. Conheceu Brit Marling em um evento de cinema, começaram uma intensa amizade e, posteriormente, a mesma o ajudou na realização do documentário “Boxers and Ballerinas”. Mais tarde realizariam juntos novamente, “A Outra Terra”, filme de grande impacto em Sundance e tão somente nessa premiação, pessoalmente eu o considero digno de qualquer premio que exista na terra. Cahill é fã assumido do diretor polonês Krzysztof Kieslowski, percebe-se algumas semelhanças em seu, até então, curto trabalho.
Brit Marling, por outro lado, vem fazendo sua carreira em base a dois diretores: Mike Cahill e Zal Batmanglij, outro jovem diretor, filho de iranianos. Aliás, os três são muito amigos. Marling está se consolidando com a musa do cinema norte americano independente, apresentando exímias performances, sustentado em uma doçura provocante.

A nova obra de arte da dupla Cahill e Marling se chama “I Origins” ou “O Universo no Olhar”, nesse, diferentemente do primeiro, Marling não assina o roteiro, faz uma ponta apenas, mas com uma personagem extremamente impactante e de importância gigantesca para a trama. O filme fala sobre reencontros, não interessa a sinopse, muito menos personagens. Se você, caro leitor, quer um motivo para se interessar em assistir, vou simplificar resumindo que eu amo cinema pois tenho consciência que aparecerá, uma hora ou outra, milagres como esse filme, que me deixam boquiaberto, chorando, refletindo, amando. Quando encontro filmes assim, eu amo o fato de ser cinéfilo, de me permitir injetar essa droga chamada cinema.

O filme começa com uma narração em off, o protagonista Dr. Ian Gray, interpretado brilhantemente pelo Michael Pitt – que no início do filme lembra muito o Johnny Depp – afirma que cada olho é um universo inteiro de diferenças. Engraçado, desde esse momento, com a inserção de fotos de olhos diversos, eu fui fisgado e automaticamente entendi o recado e me preparei para o que viria a seguir, eu escrevi e refleti muitas vezes sobre o olhar, por sinal é motivo de muito interesse da minha parte, tudo que mais amo nessa vida acontece através dos olhos. Cinema e fotografia, inteiramente magias, a segunda, inclusive, fora criada a partir do “modelo dos olhos”, por assim dizer, a máquina fotográfica é um olho que registra, com a ajuda da luz. Seria então, também, uma janela da alma, como o filme define ao longo? Aliás, o cinema poderia, então, ser classificado dessa forma, uma belíssima janela que vai de encontro a alma, ou melhor, almas. O filme fala de reencarnação, mas não importa se você, espectador, acredita ou não, pois o que vale é a ideia da volta, e a segunda chance está repleta de amor, a morte é muito pouco para um coração cheio de esperanças. Eu vejo a morte como o fim, para, enfim, o começo. Alguns vêem esse começo como uma vida eterna, eu o entendo como outras vidas com lembranças. Pois é isso que o homem faz, ele cria e imagina o mundo ao seu gosto, para o ausentar da realidade de viver só, uma história de amor não é apenas mais uma. É novamente.

Eu perdi as contas de quantas vezes me relacionei com alguém e coloquei essa pessoa a um andar acima do meu, exaltando o meu gostar. Sem perceber que, afinal, poderia ser só algo comum. Mas eu inventei história, não necessariamente propaguei isso a todos, mas na minha cabeça tínhamos algo poderoso e desconhecido, algo que nos conectava. Será que eu me adiantei no tempo? Será que estou em busca e, pelo mesmo motivo, levantei falsas expectativas com pessoas que não mereciam a minha devoção? Não sei o motivo, mas sempre precisei acreditar em amor que se reencontra. Amores ligados desde o átomo, como o Dr. Gray coloca em dado momento para sua amada.

Dr. Gray se apaixona por um par de olhos. Também conhecida como Sofi. Ela aparece, pela primeira vez, no alto de um apartamento, perto das estrelas, com os olhos vidrados, diretos para a lua. Ela cobre o rosto com um gorro, sem muita explicação. Dr. Gray pede para tirar foto dos seus olhos, algo que ele sempre fazia. Ela permite e constrói-se uma relação esquisita. Eles já se conhecem? Essa é a pergunta do espectador, pois as palavras são moldadas com uma naturalidade quase que amigável. Eles vão ao banheiro, transar, e ele pergunta carinhosamente se ela não se arrependerá do que está fazendo no dia seguinte. Ela foge e ele não sabe mais como encontrá-la.

Ele a encontra novamente. Junto a isso temos a aparição de outra personagem, uma estagiária, interpretada pela Marling. Sofi é a imaturidade de crer no espiritual, enquanto Karen, a estagiária, soa como o seu par perfeito. Extremamente lógica e, teoricamente, braço direito no quesito racionalidade. Mas ele tem Sofi como amor, sem um motivo aparente, essa é a verdade. Sofi vive dizendo aos ventos que os dois são casados no mundo espiritual, o marido, por sua vez, enxerga sua parceira com uma certa profundidade, como descrevi acima, ele afirma que ambos, no Big Bang, foram átomos que se encontraram e se encontraram e se encontraram... infinitamente.

Um homem da ciência e uma mulher da fé. Um cientista fascinados por olhos e um olhar. Esse filme é tão poético quanto inexplicável. Assisti com minha irmã e a todo momento eu ficava falando que estava me sentindo meio sufocado, parece que todas as cenas acontecia alguma coisa ou era dito alguma coisa da qual eu me identificava profundamente. Não sei explicar, mas tamanha sensibilidade doeu em mim. Fiquei estarrecido. Fiquei submerso. Chorei muito. Ri. Me apaixonei. Me reencontrei. Parece que me tornei menos louco, por perceber que o cinema conversou comigo sobre esse tema tão provocante, cuja desatenção das pessoas fazia com que eu me sentisse um esquizofrênico. O cinema me pegou pela mão e me mostrou que não, não estou louco. Me mostrou que há possibilidades de nada ser por acaso. Que há possibilidades de existir um universo, dentro de um olhar.

Repleto de significados, como a porta que deveríamos abrir pra seguir adiante e não apenas ficar trancado dentro da mesma possibilidade, o elevador como um canalizador de lembranças de vida e acontecimentos passados, a procura desenfreada e, consecutivamente, o amor sufocado. Não pela morte, pois estamos sujeitos a ela. Mas sim a falta de fé. Talvez a morte do homem moderno seja saber muito e sentir pouco. Dados e estatísticas não são nada, além de superficialidades passageiras. Uma hora ou outra percebemos que nossa vida está na Índia, personificada em uma criança de olhos claros, com muita fome e perdida. Em algum momento das nossas vidas, percebemos que nós, sim nós, somos essa criança abandonada pelo tempo.

sábado, 4 de abril de 2015

When Marnie Was There, 2014




Studio Ghibli é sinônimo de pureza, dedicação e sensibilidade. Eu poderia criar uma lista interminável de adjetivos, mas seria inútil, pois sinto um ignorante em relação à grandiosidade desse estúdio. Nunca fui um especialista em animações japonesas ou animes, mas certamente sou um grande curioso, pois a cultura do Japão vê no desenho – seja animes, filmes ou manga – a sua alma. Studio Ghibli representa algo extremamente poderoso, uma entrega quase que absoluta a arte, é impossível não se emocionar, pois as histórias estão diretamente relacionadas com o nosso lado criança, desbravando um mundo mágico. E, nesse mundo mágico, acontecem coisas que se aproximam do exagero , porém é exatamente isso que torna os filmes cativantes e únicos. Poderia afirmar que a Pixar, há alguns anos atrás, era fruto dessa magia, uma pena que agora anda errando bastante, mas é basicamente a mesma coisa, se sustenta em grandes criadores e, principalmente, humanos extraordinários que tem muito amor e simplicidade em seus respectivos corações. Se a Pixar tem John Lasseter, o Studio Ghibli tem Hayao Miyazaki e Isao Takahata dois gênios que ensinaram os mais jovens a fazer filmes como, por exemplo, Hiromasa Yonebayashi que assina a direção desse último filme do estúdio chamado “When Marnie Was There”.

Hiromasa Yonebayashi fez “O Mundo dos Pequeninos” que, igualmente ao mais recente, nos brinda com um mundo fantástico e mistérios, levados as últimas consequências nesse último, aliás, ouso dizer que temos ai um grande nome para suceder o grande Hayao Miyazaki, poderia estar cometendo uma injustiça, mas vejo nesse jovem diretor de 40 anos um potencial enorme.

When Marnie Was There ao contrário de “O Mundo dos Pequeninos” é inteiramente mais adulto, não só pelos temas que descreverei a seguir, como também pela profundidade. Não lembro de um filme sequer desse estúdio querido, que não possua temas interessantes, mas são desenvolvidos sobre um olhar infantil, quase doce, não que isso não acontece aqui, mas há uma dose de confusão, quase um misticismo envolto de lembranças, algo que comove muito mais os adultos. Conta-nos a história de Anna, uma garota solitária e tristonha, que por motivos de saúde vai passar um tempo no campo, para se manter bem tanto fisicamente quanto emocionalmente, ela se vê diante de uma vida monótona, até que encontra uma mansão misteriosa. Essa mansão traz algum tipo de lembrança para a menina, mesmo que a própria e nós, espectadores, não saibamos. Há boatos na pequena cidade de que não mora ninguém na mansão, mas surpreendentemente Anna enxerga sempre uma menina loira através da janela, isso a intriga ao ponto de transformar esse mistério em obsessão. Conhecendo um pouco mais dessa menina, além de fazer uma belíssima amizade com a mesma, Anna descobre que a menina está cercada de mistérios.

 O filme começa e Anna está sentada em uma praça, qualquer atividade é atrapalhada por aflições da personagem sobre a sua pessoa, ela visivelmente passa por problemas de auto estima, sempre meio deslocada, a própria começa afirmando com propriedade “Nesse mundo há um círculo mágico invisível...” ela olha então para outras garotas e continua “...ou você está dentro ou fora dele”, curiosamente no mesmo tempo que ela sintetiza o filme, ainda coloca sua figura, o que representa, fora desse círculo mágico, que podemos traduzir como a vida. Ela não faz parte de nada, pelo menos o sentimento é esse, isso só se agrava ainda mais por ela ser adotada, distanciando a mesma da normalidade, por mais que sua mãe teime em dizer que está tudo normal. O coração de Anna sente que algo está errado e, mais além, sente que precisa passar por algo para compreender sua real situação, aquele famoso soco no estômago da vida, para aceitação da sua própria imagem, tão deturpada pela mesma.

Ela segue rumo à cidadezinha, bem no interior, onde a natureza se faz ainda mais presente e influenciável, soando como o paraíso das crianças. Ela, pelo contrário, fica no quarto, escreve cartas, enfim, com seu jeito tímido e delicado, quase que constante.  Quando a solidão não é mais cabível e a iniciativa para fazer amizade é nula, surge a possibilidade de enfrentar o desconhecido – representado brilhantemente pelo barco, do qual ela deve remar -, com a mansão e seus mistérios, que acabam impulsionando uma nova e rápida amizade. Tão veloz que soa artificial, no mesmo tempo que é estável, quase que natural, o mistério está jogado ao espectador, soluções clichês começam a aparecer, mas o filme em nenhum momento se torna fraco por isso, pelo contrário, esse enigma é surpreendente, talvez não inédito, mas envolto de, igualmente, muita magia e emoção.

Essa amizade/história pode ser tudo amigo imaginário, fantasma, ela mesma, enfim, tudo que é possível caber nesse mundo invisível, citado no começo do filme, pode ter uma dose de religião, como uma reencarnação, o que me parece uma grande viagem, mas é esse o real legado, pensar e solucionar algo que está muito claro, ela simplesmente precisa se sentir parte de algo, bem como transformar esse algo no seu templo, a fim de seguir a diante.

Esse amor que nasce é tão poderoso, que não se explica em nenhum momento, nem da espaço para entendermos, é um tanto romântico as vezes, no mesmo tempo confuso pois os fatos são conflitantes, mas acima de tudo é de extrema sinceridade. A explicação começa a dar lugar às lágrimas, não por saber, mas simplesmente por estar acontecendo.

Adaptado de um livro com o mesmo nome – o qual eu fiquei curioso para ler, mas tenho consciência que é muito complicado encontrar - “When Marnie Was There” faz jus ao anterior do estúdio “Princesa Kaguya” e nos transporta para um mundo incrivelmente maravilhoso, deixando de lado nossas interpretações para, tão somente, sentir.

"Eu te amo mais do que qualquer outra garota que já conheci."

domingo, 29 de março de 2015

A Gangue, 2014


Eu sou uma contradição ambulante, no mesmo tempo que sou adorador de música, quase um dependente químico da mesma, eu me emociono com o poder do silêncio. É muito importante falar, e eu adoro, por sinal, porém de nada adianta falar quando não se sabe ouvir e, ainda mais, não adianta buscar um equilíbrio nessa questão, se não foi aprendido a ouvir a si mesmo, o vazio, a paz. Há momentos, sozinhos, que nos deparamos com uma belíssima oportunidade de nos sentir, quem nunca falou consigo mesmo? Eu às vezes me pego discutindo comigo mesmo, literalmente. É válido ressaltar que o silêncio tem um poder catártico. Aproximando nosso interior e concentrando nossas atenções a pessoas que “deveria” ser a mais querida desse mundo: nós mesmos. Aliás, a concentração é tão fraca no quesito realidade quanto um conto de fadas, pois o mundo está uma correria, ninguém tem tempo para contemplar o vazio de não consumir.
O cinema existe, pois o silêncio existiu. O cinema mudo, bem no seu início, foi uma das grandes revoluções do século XIX, transformando a vida do homem que, sem saber ainda, poderia ver o seu reflexo em situações cotidianas e/ou irreais e hilárias, vulgo Charles Chaplin. No mesmo tempo que o cinema mudo representava uma limitação técnica – bem, não havia formas de ter, naquela época, a fala – representou, também, a possibilidades do mundo conhecer a sétima arte. Ora, imagina o trabalhão para legendar todos os filmes ou, pior, dublar, era inteiramente impossível, portanto a narrativa física possibilitou ao espectador do mundo inteiro acompanhar aquelas pessoas de modo que fosse entendida por completo, a história ou piadas eram passadas através da linguagem corporal.
O cinema se torna falado e com pessoas como Woody Allen, por exemplo, se torna tagarela. Eu amo aqueles com muitos diálogos, mas em nome da contradição eu também sou um cara feliz quando me deparo com aquelas obras da Europa que tem como artifício principal o silêncio. Bem, em 2014, as pessoas acostumadas com o padrão “filme pipoca”, com explicações a cada minuto, eis que surge na Ucrânia um filme chamado “A Gangue” que, posso aqui afirmar, revoluciona a linguagem, mesmo quando todos achavam impossível tal fato acontecer.

“A Gangue” ou “Plemya” acompanha um jovem rapaz, mudo, que vai para uma escola de mudos. Ele acaba adentrando no mundo de gangues, cometendo roubos, auxiliando na prostituição de duas garotas etc. Aliás, ele acaba se envolvendo emocionalmente – e fisicamente – com uma delas e então suas ações começam a contrariar os líderes da sua gangue, onde ele havia conquistado seu espaço e, além do mais, sua reputação. Vale lembrar ou alertar que o filme não tem um diálogo falado sequer, a não ser por sinais, ou seja, libras, todos os atores são, de fato, mudos, o espectador acompanha dois universos diferentes: do mundo com o mudo, no dia a dia já causa um estranhamento, pois nem todo mundo conhecem a sua linguagem; E, mais interessante, do mudo com o mundo que evidentemente tem suas diferenças dos demais, ou pelo menos é sujeito a esse sentimento.

Quem me acompanha sabe que aprecio/pesquiso filmes que falam sobre jovens, isso se torna ainda mais atraente quando a figura caricata dessa espécie explosiva é transformada pelo país que vive, então filmes Suecos são diferentes dos Franceses, Espanhóis dos Brasileiros e assim por diante, claro que qualquer tema se enquadra nessa questão, mas minhas pesquisas sobre o jovem, utilizando o cinema como grande impulsionador, me mostram que cada país possui o seu jovem diferente. Isso é muito interessante, pois é o primeiro Ucraniano que assisto. Deu para perceber que a violência é muito utilizada, reflexo das barbaridades que a Ucrânia está passando. Na sinopse acima, eu utilizei o termo “reputação”. Essa palavra é exaltada pelos jovens, que buscam o seu lugar ao sol, uma maneira de se enquadrar em alguns padrões, sejam eles bons ou ruins, nosso protagonista, por exemplo, começa apresentando-se como tímido e meio deslocado, porém ele vai remando com a maré, se misturando as ações outrora impensáveis. Esse submundo, do qual inclui-se a prostituição e, consecutivamente, o aborto, é envolto de muitas facilidades, atraente, eu diria, mas as consequências? 

Esse assunto não é raro no cinema, no próprio Francês “Respire”, há uma relação com a entrega desenfreada, mas o modo que é colocado em cena, se revela como um grande salto, como abordei bastante, o silêncio é uma poderosa ferramenta – seja na nossa vida ou no audiovisual – mas também pode ser uma arma contra. Em mãos erradas, o filme poderia se tornar extremamente cansativo, tanto por ser em linguagens de sinais como por não ter legenda – ou seja, nós não sabemos mesmo o que eles estão dizendo... ops... sim, dizendo – mas o ótimo diretor Miroslav Slaboshpitsky é muito seguro na direção, apresentando opções eficazes quando ao posicionamento de câmera, sempre distante dos personagens, ângulos abertos, com poucos cortes. Se você, meu caro amiguinho, acha que “Birdman” ou “Boyhood” mudaram alguma coisa no cinema, espere até ver “A Gangue” que, além de trabalhar bem com o choque, apresenta um vislumbre visual e direção primorosa.

Falando do Miroslav Slaboshpitsky, um grande artista nascido em 1974, ele tem alguns curtas no currículo, eu tive a oportunidade de assistir um de 2010 chamado “Glukhota” ou “Surdez”, que ele igualmente brinca com essa linguagem. Foi bem recebido no festival de Berlim, por exemplo. Para minha felicidade, tinha assistido há algum tempo e, só depois de ver “A Gangue”, fui saber que era o mesmo diretor, é muito bom quando essas coisas acontecem, sinto-me próximo do trabalho de alguém que admiro e sei que o cara tem muito talento e, claro, muito o que mostrar, só pela ousadia merece todos os méritos. É válido dizer que ele não sabe a linguagem de sinais, então dependeu de um interprete durante todas as filmagens, imagino o trabalho disso!

O filme vai fazendo o espectador se acostumar com a ausência de algo tão comum para nós, quanto à conversa. Ele habitua-nos a uma escola silenciosa, por exemplo, algo que chega a ser um absurdo, e ele habitua-nos tanto, até mesmo com os detalhes, que vamos ficando boquiabertos quando começa a tomar um rumo grotesco, quanto ao choque. Ao estilo Gaspar Noé – para quem conhece seus filmes, irá certamente lembrar dele no final do filme – a dor é sentida de forma tão visceral que, no mesmo tempo que vamos ficando petrificados, vamos nos tornando um pouco mais mudos a cada segundo. Começa a fazer parte de nós a incapacidade de se expressar verbalmente, ou melhor, não queremos isso, basta contemplar.

Há um uso quase que abusivo do azul claro, ou azul bebê, durante muitos momentos do filme, incluindo os mais relevantes, como o famoso corredor, cuja funcionalidade representa quase que a essência do mal, para a gangue de delinquentes, passando para a cena de sexo, entre o protagonista e a menina, inclusive acabou virando o pôster do filme e, por final, o aborto da mesma garota, a parede é azul claro também. A analogia que eu fiz é: Oceano, mar, pureza. Parece algo infantil, algo que me remete a mãe, aliás, cadê a família desses jovens? Cadê a mãe do menino ou menina? Enfim, o fato da parede ser azul, significa que eles estão submersos no oceano das novas experiências e do acomodado. As profundezas do oceano, por sinal, não se propaga som. O útero da mãe tem água, talvez eles estejam no útero da maldade e libertinagem que, como dito, trará consequências. Um verdadeiro ensaio sobre reputação, banhado em um oceano de silêncio.

sábado, 28 de março de 2015

Adeus ( Bé Omid É Didar) , 2011


O cinema Iraniano vem amadurecendo a cada ano, inclusive essa realidade acabou aumentando ainda mais com o Oscar para "A Separação", porém, o país ainda enfrenta grandes dificuldades e, me parece, que os filmes sempre terão como pauta principal buscar uma forma de utilizar personagens como metáforas para as diversas situações que ocorrem e que eu - assim como muitos - não entendo completamente pois não vivo no Irã. 

No mesmo tempo que a arte produzida nesse país um tanto quando "exótico" cresce a cada dia, o poder permanece autoritário e tenta podar seus melhores artistas como, por exemplo, Jafah Panahi, que foi preso por desagradar as autoridades apoiando um candidato oposicionista em 2009. Esse fato desencadeou, inclusive, o belíssimo documentário "Isso Não é um Filme", onde o próprio Panahi se filma preso em seu apartamento e reflete sobre a criação artística, enfim, foi um processo bem turbulento sendo, inclusive, alvo de atenções de grandes nomes do cinema como Steven Spielberg e Juliette Binoche. Bem, ao lado de Jafah Panahi, um outro diretor menos conhecido, porém, de suma importância, chamado Mohammad Rasoulof, também foi preso, mas ao contrário do primeiro, que inicialmente foi proibido de filmar por 20 anos, Rasoulof conseguiu permissão para continuar com o seu projeto "Bé Omid É Didar", que viria a ser lançado em 2011, um ano depois desse episódio catastrófico para o cinema.

Com o contexto citado, posso dizer que "Bé Omid É Didar" ou "Adeus" sustenta sua crítica na figura de um jornalista, cujos textos afetam diretamente o poder e, por esse motivo, se vê preso em uma onda de investigações e opressão. Quem sofre tudo isso é sua mulher, que está grávida, ela anseia poder sair do país mas, enquanto isso, acompanhamos a trajetória de uma mãe desesperada e perdida pois irá trazer a esse mundo sujo uma criança, que não tem culpa de absolutamente nada, ainda mais, essa personagem principal permanece sozinha, o marido se esconde, a mãe que chega para ajudá-la parece que a sufoca, enfim, está solta, presa dentro de uma série de questionamentos.
Essa mulher, interpretada brilhantemente pela linda Leyla Zareh, parece desprendida daquela imagem submissa, afinal, é jovem e advogada, porém tem sua licença cassada, ou seja, a fuga se mostra inteiramente presente em cada quadro, em duas cenas a moça está no terraço do seu apartamento e, subitamente ao fundo passa um avião, como se viesse ao encontro dela. Outra metáfora em meio a um silêncio perturbador seria quando ela, delicadamente, coloca uma tartaruguinha em uma vasilha, joga umas sementes, mas o filhote de tartaruga quer sair daquele lugar, ela sai do quadro e a câmera permanece estática no bichinho, quando a moça retorna, ela cerca a vasilha com jornais, ou seja, palavra, ou seja, censura. O filme tem uma linguagem extremamente complicado, é facilmente confundido com monótono, mas há um senso crítico poderoso, em meio a tanta solidão, representado, também, pela fotografia magnífica, uma dose certa de distância, um azulado remetendo a melancolia, enfim, um vislumbre visual.

O fato dela estar grávida deixa tudo ainda mais interessante, principalmente quando percebemos que esse fato se torna uma maldição ao longo, um fardo, em qualquer outro lugar seria altamente normal, mas não ali, não pressionada, não naquela situação, ter um filho passa a ser uma previsão catastrófica, repetir o erro de estar vivo em um lugar que não se merece a vida, a personagem está no seu limite de tolerância, começa, então, a ser indiferente, seja aos homens que vão investigar sua casa a procura do marido ou a própria mãe, tudo não passa de algo natural, menos o fato de que é mãe, isso nunca motiva um sorriso dela, muito menos um choro, está, simplesmente, acontecendo, e está buscando a melhor forma de lidar com isso, sozinha, fugir não é uma opção pois tenta incansavelmente ir para outro lugar, a fuga não seria um aborto, ou a criança vir ao mundo normal, tudo está anormal, o fato da sua filha ter síndrome de down, descobrimos isso ao longo, é só uma extensão daquela situação, a nossa protagonista só precisa de um lugar para viver em paz.

- o que anda fazendo?
- Não posso mais aguentar. Esse país não é lugar para se ficar.
- Mas a que preço?
- o preço da liberdade. Preço da vida.
- vou dar a luz a ela e renascerei
- o bebê é inocente... é um pecado mantê-la em tempos como esse


terça-feira, 17 de março de 2015

Uma Passagem para Mario, 2014


Submerso. Começo o texto com esse significado. "Uma Passagem para Mario" nos provoca com o imerso, de um refletir sobre o amor. Amizade que existe, se desfaz, se aprende, se refaz. Luto. Uma passagem passageira de solidão, para e com o Mario, se torna, tão rápido, sem. Pra quê planos? Me pergunto. Se não o registro oportuno de um sempre amigo sorridente. O sempre perdeu a validade. 

Esse lindo documentário de 2014, fala sobre amizade. Ao contrário. Pois, diferentemente do normal, a amizade não se constrói, se perde. Mario do título é um ser humano encantador - ficará claro ao longo - gosta de mergulhos, sempre sorridente, enfim, descobrimos logo no início que ele está fazendo um tratamento para o câncer. Já parece muito debilitado, nunca caindo no coitadismo, pois sua personalidade extrai uma felicidade encantadora. Ele tem um amigo chamado Eric Laurence que, por sua vez, é o diretor do documentário. Eric incentiva o seu amigo a fazer mini-registros da sua família, amigos, rotina, para levar em uma viagem - que ambos estão programando - ao deserto de Atacama e ao salar de Uyuni. Essa viagem também será registrada. 


O filme começa com uma filmagem do Mario em um mergulho. Estampando um sorriso, como de costume, somos apresentado ao personagem que, mesmo nas cenas que não aparece, está presente. Ele se preocupa em alertar o médico sobre o desejo de viajar da Bolívia para o Chile, tomando as devidas precauções antes da aventura com o amigo Eric. 

Eric faz, então, o que seria o seu último registro audiovisual. Deixando a família e, claro, o amigo nessa pobre existência passageira. É quando o Eric Laurence parte em rumo a Bolívia, destinado a atravessar até o Chile, fazendo o mesmo trajeto que planejava com o amigo, inclusive é mostrado o roteiro, em dado momento. Se a ideia era fazer um documentário sobre a fome de viver do Mario, o filme passa a ser um registro de luto. Eric Laurence caminha sozinho. Filmando a estrada, os detalhes, como se o espectador fosse seu amigo que acabara de falecer, nós(Mario) temos a oportunidade de acompanhar seus passos, nos sentindo próximo não só do lugar, como do sentimento da perda. Ao longo ele entrevista alguns desconhecidos, como músicos de rua e trabalhadores, com perguntas sempre direcionadas a morte e amizade, em uma das entrevistas, com três músicos, eles se emocionam em falar que, apesar de se conhecerem há três semanas, eles sentem, de alguma maneira, que eles estão construindo uma família. Um ótimo oposto, entre o fim e o começo, estável e flexível. 

Poucas vezes no cinema a viagem foi tratada de modo tão visceral quanto nesse, ela se sustenta com a ideia de um objetivo, mas se desenvolve em base ao respeito pela memória. Eric perde e vai. Recuperando um isolamento, processando o quanto a vida é frágil. Engraçado, todos falam isso "a vida passa rápido" mas será que temos, de fato, consciência disso? Hoje mesmo ouvi uma sábia frase "a gente percebe que está ficando velho, quando pessoas da nossa idade começam a morrer de formas naturais". É inerente ao ser se achar um pouco imortal, não fazer o que se quer é uma prova disso. Se eu não o fizer, quando vou fazer? Uma hora ou outra, percebemos a nossa finitude, pode ser da forma mais simples possível, mas sempre acontece. Então bate o desespero, esse espetáculo acaba. Infelizmente. Eu não vou falar de novo que a arte imortaliza e, portanto, Mario ainda vive. Mas certamente tenho que ressaltar que, apesar do filme ser imensamente triste, ainda vejo otimismo, em ver um personagem tão interessado na vida, tão espontâneo, mesmo tão perto da morte. 


Mario, mesmo em tratamento, começa um namoro, aliás, resulta em uma cena hilária, onde ele narra suas preocupações para com a relação sexual. Mesmo com toda uma vida, cercada de pessoas que o amam, ele mantinha com o amigo a ideia de criar, produzir arte, afim de se dividir, viajar, iluminar, conhecer. Outro lado positivo do documentário é mesclar a viagem solitária de Eric com o motivo da mesma, com os fragmentos da vida de Mario. 

Chegando no tão almejado deserto, Eric projeta nas rochas os vídeos do amigo que assistia no notebook. A iluminação, as cores, o vídeo, a rocha, a verdade, tudo é tão crível e profundo, resultando em uma das cenas mais lindas que eu já vi, reafirmando não só a amizade que existe ali, como a missão cumprida. Uma missão para ele mesmo, se desamarrar dessa linda lembrança, afim de seguir em frente, mesmo que um pedaço grande dele tenha partido. Ao final, fica a sensação de um milagre, audiovisualizando a natureza selvagem, ressaltando a importância que tem para o olhar, olhar o identificável. A verdade pode sim se eternizar, não só no coração de um indivíduo, de muitos, como eu que, enquanto subia os créditos finais, chorava por ter perdido um querido amigo. 

sexta-feira, 13 de março de 2015

Tempo de Embebedar Cavalos, 2000


Já falei quantas vezes que o cinema que mais gosto do mundo é o Iraniano? Enfim, afirmo novamente e você, meu caro, que ainda não assistiu nada desse país, tome vergonha na cara e corre, mas corre, aproveita que está fácil, tem muita coisa no Youtube, inclusive esse que comento hoje, certamente será uma das maiores experiências cinematográficas que você terá na vida.

"Tempo de Embebedar Cavalos", lançado em 2000, segue a linha de vários iranianos, onde a criança será reflexo das situações horrorosas onde todos, sem exceção, são usados. As crianças são os veículos ideais pois, como é possível imaginar, representa a inocência, o novo, diante a situações de mudanças. Dessa vez, nossos corações segue a história de cinco irmãos órfãos, destaque para Ayoub e  Ameneh que, além de trabalhar para pagar a dívida de uma mula, ainda precisam se preocupar em juntar dinheiro para a operação do irmão mais novo, Madi, que sofre uma grave doença.

Madi é deficiente, evidentemente se torna um problema para uma família sem condições, mesmo assim, o amor que recebe, cuidado e carinho, é de chorar os 80 minutos de filme. Lembrando que o cinema Iraniano tem crianças que não são atores, na sua maioria, então a verdade das expressões provocam questionamentos, não entendo como é possível. Mais da metade dos mirins de Hollywood não chega aos pés do que essas crianças fazem. A irmã Ameneh demonstra tanto carinho, todo momento beija o irmãozinho, protege o irmão mais velho, que assumiu o posto de líder depois da morte do pai, em dado momento ela olha para o alto e pede que Deus ajude o irmão com problemas de saúde. A criança olha para o céu também, junto com ela, um silêncio, uma dor aterrorizante. Tão cruel, um ensaio sobre o real. A dor é tão real, inclusive, que as cenas em que o pequeno toma injeção e chora, quando está congelando no frio ou sendo arrastado por mulas, enquanto fica preso em uma "sacola", são uma mescla de realidade e, também, tortura. O quão ético é registrar o sofrimento com o sofrimento? Enfim, é um bom exercício esses filmes, pois eles tem como proposta primordial a exibição do que acontece. Ninguém pode julgar acontecimentos. É preciso estar despido para, só então, conseguir embarcar na nova cultura.

Por sinal, esse filme se passa em um lugar diferente do Irã, localizando-se na divisa com o Iraque, o que terá uma importância na trama, visto que Ayoub faz parte dos contrabandistas, que se submetem a vários perigos de vida. A paisagem está congelada, o branco da neve, o frio, apoia a ideia de sofrimento. O trabalho pesado, o pesado sendo carregado nas costas infantis, são reflexões que terminam nas cenas finais, onde as mulas são pisoteadas, é tão doloroso vê-las carregando aqueles pneus enormes, caindo na neve, apanhando, que entramos em estado de choque, aquelas mulas são as crianças e vice-versa. O desespero é um só. Não existe idade para esse tipo de coisa. 

Primeiro filme do diretor Bahman Ghobadi, que vem fazendo grande sucesso em festivais de cinema. Além de ser ótimo, parece ser um ótimo e sensível ser humano. É preciso muita passionalidade para realizar obras incríveis como ele. 

quinta-feira, 5 de março de 2015

Noite Vazia, 1964


O Cronologia do Acaso surge como extensão do meu fascínio por pesquisar cinema, creio que, como eu, muitas pessoas estão cansadas de assistir o mesmo e, eventualmente, acabam se deparando com algo totalmente novo e inesperado, talvez um filme da Bósnia, ou China, enfim, a arte audiovisual é incrível, uma jornada rápida e interminável através de países, estilos e culturas, já comentei muitos filmes, muitos deles de diversos países, então hoje voltarei meus olhos - espero que motive vocês também - para o nosso país. 

Quem já ouviu dizer que a Xuxa começou sua carreira fazendo um filme que transava com um garoto? Pois bem, todo mundo fala isso, mas poucos assistiram, de fato. Estou ressaltando isso por dois motivos, o primeiro é que quando se fala do cinema nacional, o povo começa a fazer caretas, dizer que só tem putaria ou, pior, que só existe a globo filmes, ai o ser humano começa a se passar por pseudo e fala que detesta o nosso cinema porque não gosta dessa tal produtora, que mais parece uma maldição para mim. Como disse acima, o argumento "só tem putaria" também é escrota, fala da pornochanchada como se fosse uma imundice, o que pesquisando só um pouquinho, veremos que é completamente ao contrário, claro que há coisas ridículas mas, muitas realizações, são o puro exemplo de ousadia em momentos de repreensão. Aliás, muitas histórias ultrapassam o limite do sexo e se utilizam disso para fazer críticas, enfim, realizar um bom filme. Espero em breve escrever um pouco mais sobre isso, pois estou fugindo bastante do tema. 
Citei o tal filme da Xuxa, pois ele é dirigido por WALTER HUGO KHOURI, diretor também da obra-prima "Noite Vazia".

Ouvi de um amigo tempos atrás que WALTER HUGO KHOURI era o Ingmar Bergman brasileiro, até então não conhecia o seu trabalho e achei estranho a comparação. O que raios esse cara tinha feito para ser comparado ao Bergman? Só então assisti alguns de seus filmes, incluindo esse que vou comentar, e percebi que, realmente, há razões para a comparação, mas não precisa necessariamente delas para se certificar que Walter é um diretor excelente, um dos maiores nomes do nosso cinema.
Suas obras tem a incomunicabilidade como tema central, uma pitada de existencialismo, sexualidade apurada, enfim, só dar uma olhada na grade de atores - principalmente atrizes - que trabalharam com ele, sem dúvida era um realizador que era sinônimo de entrega.

Noite Vazia, 1964,  é um clássico incontestável do cinema brasileiro, para mim um dos melhores filmes, senão o melhor. Isso se deve, entre muitas coisas, pela reunião de talestos que acontece. Só pode ser um milagre audiovisual. Vou tentar resumir esse elenco, no mesmo tempo tentar não perder a respiração porque, sério, é motivo de alegria!
Tem Gabriele Tinti, galã italiano, excelente ator, fez vários "Emmanuelles" da vida depois desse filme, mas já trabalhou em muita coisa boa, inclusive participação em um filme do Mario bava, um dos maiores diretores do cinema de terror Italiano. Ele foi casado com a querida Norma Bengell, uma atriz que dedicou sua vida ao cinema, fez a primeira cena de nu frontal do nosso cinema no filme "Os cafajestes", depois virou diretora, terminou sua vida, infelizmente, no esquecimento. Considerada por muitos, e por mim, como a Brigitte Bardot brasileira. Ao lado dela temos também outra lenda, a atriz Odete Lara - faleceu há pouco tempo. Por fim, talvez o menos badalado, o ator Mário Benvenutti, que fez pérolas da pornochanchada como "Macho e Fêmea", de 74, dirigido pelo Ody Fraga.
Minha primeira dica é essa, pesquisem esse submundo do cinema autoral, principalmente esse diretor e as atrizes, que respiraram cinema até a morte. Em um país dominado pelas novelas, elas se recusaram até o último momento, levando o Brasil para frente, a importância que eles tiveram é enorme, vale a pena pesquisar sobre o trabalho dessa trinca maravilhosa.

Noite Vazia, 1964, conta a história de dois amigos Nelson e Luiz, ambos tem o costume de sair a noite e pagar algumas prostitutas, afim de buscar pelo prazer e preencher seus vazios. Luiz é bastante rico e tem uma família, mesmo assim influência o amigo para adentrar cada vez mais nessa vida boêmia. Acompanhamos uma noite desses dois, onde esperam por mulheres maravilhosas, por acaso encontram Mara e Regina, vão para um quarto e nada sai como o esperado. Apesar da tentativa de divertimento, ambos se sentem extremamente perdidos, o sexo não é o suficiente. Pouco a pouco, através de nuances, eles vão revelando suas angústias, assim como seus sentimentos mais profundos.

É impossível analisar esse filme da forma normal, é repleto de significados. Desde o sexo, passando pela prostituição, enfim, o diretor desconstrói a imagem do homem devorador, essa máscara vai caindo ao ponto de estabelecer as duas mulheres como verdadeiras sábias. Elas lidam com as fraquezas de seus respectivos parceiros para bem próprio, assim como, aos poucos, aquela relação de interesses dá algum espaço para compreensão, principalmente da Regina com o Nelson. É evidente que se constrói um sentimento dela para com o rapaz, se identificando, talvez, com aquela tristeza de seus olhos claros.

Voltamos ao ano do filme, 1964, o país passava por plenas mudanças, quando aparece uma pérola ousando dessa forma, falando sobre tabus, enfim, é extremamente poderoso. Mostra uma vida em São Paulo como poucas vezes visto. No fim, ele fala sobre problemas atemporais, ligados a existência do homem, como o uso e desapego. Temos um homem tratando mulheres como números, tem que pagar para se sentir dominador, enquanto na sua realidade é um escravo da rotina. A sua diversão é se imaginar diferente, ter poder sobre o corpo, fica claro isso com a frase "com dinheiro a gente pode fingir que se diverte". 

Sob influências do Antonioni, desenvolvendo personagens complexos, envoltos de uma beleza visual, além de atuações incríveis, principalmente por parte da Odete Lara e Norma Bengell, "Noite Vazia" faz jus ao título, acompanhamos essa noite paralisados, diante a tamanha frieza, relatando uma tentativa de fuga, a qual nunca parece ser o suficiente. Tenho certeza que se esse filme fosse Europeu, ele seria creditado como um dos melhores, como não é, acaba sendo mais uma obra de arte a se descobrir. 

"- Não é por você, eu não me sinto bem em lugar algum, com ninguém. - É só isso que você tem pra me dizer? - Eu estou tentando ser sincero. cansei de fingir pra todo mundo."

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Mary e Max, 2010


Quão louco é estar por aqui, saudade daqueles nossos olhos vidrados perante algo que é, aos olhares adultos, extremamente simples, a criança cria um universo próprio, repleto de dúvidas e soluções divertidas, lembro que, ao passear de carro a noite, eu ficava observando a lua me acompanhando, brincava que ela vinha comigo para qualquer lugar que fosse. Lembro também dos faroestes que assistia, eram os meus heróis, minha imaginação saltava e, rapidamente, eu estava vestido de Cowboy, andando desengonçado – estilo John Wayne – mas destemido, esse era meu passatempo, imitar meus heróis da TV. Inclusive já pensei em ser super herói de verdade, defender a cidade com minha bicicleta e alguma espada de plástico. Uma construção, perto da casa onde eu morava, se tornou um castelo, cuja terra eu utilizava para escalar e matar dragões... Enfim, falo da minha infância, por que não tem como assistir Mary e Max e não lembrar de você mesmo, tentando definir o que falaria, o que perguntaria, quando criança, para um amigo em Nova York.

O filme começa destacando detalhes da vida de Mary, deste patins jogados, até a caixa de correio – que virá a ser quase um veículo de sensações para ambos protagonistas – o narrador, então, define a menina pelos olhos e a mancha marrom na testa, o segundo faz parte de um incômodo que a menina levará consigo durante toda sua vida, enquanto o primeiro, bem, os olhos/visão, soarão ultrapassados ao longo, dará a vez ao coração, as palavras, o quanto elas podem ser sinceras sem as máscaras do toque.
Do outro lado temos Max, um senhor que se arrasta por entre uma estrada de concepções. A sua vida me parece tão fascinante quanto identificável, envolto de um preto e branco, surge como uma ironia muito grande New York nessa animação, afinal, quando aparece a plaquinha com o nome da cidade, ela recebe três tiros, como um aviso. Se não bastasse, as pessoas estão sempre esquisitas. Fazendo nosso querido Max parecer inofensivo, no meio de tanta insanidade destrutiva, a piada com o peixe, por exemplo, é ótima.  


Mary e Max são opostos, estão em fases diferentes da vida, porém, em vários outros aspectos são idênticos, reparem que eles assistem aos Noblets por motivos diferentes mas, por fim, ressaltam que os personagens possuem muitos amigos. Enfim, é tão poderoso esse questionamento de vidas isoladas/separadas, perdidas no mundo, quando, em algum outro lugar, alguém precisa ouvir e falar as mesmas coisas que você.

Uma lista telefônica nos apresenta inúmeros nomes, todos esses nomes tem histórias diferentes, todos esses nomes já foram crianças, Mary imagina como eles são fisicamente, mas será que naquele momento eles estavam bem? Estavam cuidando de seus filhos, que vieram de um copo de cerveja, estavam olhando outras listas telefônicas, estavam se drogando...? O quê todos essas pessoas desconhecidas fazem o tempo todo, o porquê somos tão fragmentados? A vida as vezes parece ser meio solitária, ai lembramos que não é possível que estejamos sozinhos nessa, existem sombras de nós mesmos, espalhados pelo mundo, pequenos pedacinhos de procura, enfeitando nossa existência pois, cedo ou tarde, serão encontrados(das).

Quando assisti pela primeira vez, tanto Mary quanto Max mexeu muito comigo, me identifiquei com os dois personagens, mas o Max era uma facada no estômago, sua visão de mundo, bem como sua ausência fazia com que cada frase sua soasse como um desabafo meu. Eu sempre fui muito entregue, mas em dada etapa da minha vida minha boca não dizia aquilo que minha cabeça pensava, eu não agia, pois o medo de me enfrentar não permitia que eu questionasse o quão importante eu era para essa peça de teatro brilhante também conhecida como existência.

Sei lá, é confuso a vida. As vezes olho para trás e percebo o quanto as pessoas foram importantes na minha vida, não necessariamente amigos, muitas vezes só conhecidos. Talvez não haja grande separação assim, ou talvez eu, naquele momento, não parei para refletir sobre o a verdadeira função daquela determinada pessoa na minha transformação, é claro que sempre resta estar só para evoluir, mas sem o outro não somos ninguém, não conseguimos nada. Eu sempre fui muito dependente da palavra, principalmente as verdadeiras, então minhas relações foram sempre construídas através de muito diálogo, com a Internet isso ficou ainda mais gritante. Quando escrevo aqui, por exemplo, eu tenho o costume de me imaginar sozinho, mas é questão de tempo para perceber que alguns estão lendo, sendo assim, posso estar ajudando alguém, assim como esse alguém pode estar me ajudando. O mundo se tornou bem mais pequenininho. É um grande outro lado do mundo, fico feliz por ter conhecido pessoas que me fizeram – e continuam fazendo, mesmo que distantes – bem.   


O pai da Mary gasta o seu tempo com amigos mortos, a mãe vive embriagada, existe uma pressão grande ali, um sufocamento, mesmo assim o ser mundo permanece colorido, como se a idade representasse uma esperança por um dia melhor, uma outra possibilidade, há tanta sensibilidade nisso, há tanta tristeza em se pensar, reparem como a música “Que Sera Sera” encaixa bem nesse filme:


Quando eu era apenas uma menina,
Perguntei para minha mãe, '
O que vou fazer?' Vou ser bonita? Será que vou ser rica?
E ela disse isso pra mim: Que Sera Sera,

Quando eu cresci e me apaixonei,
Perguntei ao meu amor, o que virá depois. Haverá arco-íris, dia-após-dia?
E o meu amor me disse: Que sera, sera,

Agora eu tenho meus próprios filhos
Eles perguntam a sua mãe o que serão Vou ser bonito? Vou ser rico?
Digo-lhes com ternura Que sera, sera,

Ela apresenta três etapas da vida, nas três existe um conflito, para as três existe apenas uma respostas, as coisas são como são, parece óbvio, mas há apenas uma única oportunidade, pra quê questionar a forma, quando o que realmente importa é o processo. Tudo é uma questão de processo. Eu sou fotógrafo, amante de cinema, a visão para mim é tudo... no mesmo tempo nada. É muito conflituoso todo e qualquer tipo de análise de filme, mas aquele que te toca é ainda mais complicado, as letras fogem do controle, assim como a desordem organizada da vida de Max, sua Tv grande tem som e não tem imagem, sua Tv pequena tem imagem e não tem som, parece que ele precisa sempre estar colando pequenas coisinhas, com simplicidade de sentir e criar significados sobre tudo, é tão forte para mim assistir hoje em dia meu velho amigo, é um reencontro marcado por emoção, assim como eu me pego em uma fase completamente nova e, meu querido Max, deixa de ser igual, passa a ser uma lembrança. Como é forte para mim seus animais, os diversos sanduíches de chocolate, as invenções culinárias, sua vida cheia de sonhos, cujo doutor os classifica como imbecis, queria pedir com gentileza para esse doutor não ser tão duro com meu amigo, tolo é não sonhar, tolo é não viver, tolo é não ter amigos. Quando começa a tocas “Coro a bocca chiusa”, no final, fica claro que eles se conhecem, o pote de leite condensado foi dividido há muito tempo, desde, talvez, o começo dessa história, na iniciativa de mandar uma carta, na coragem de responder, na vontade de continuar, não precisa necessariamente da distância, bem como o estar perto não diz muitas coisas, o sincero transcende o espaço, está dentro de você, dentro de todos nós. Ame, sonhe, compartilhe, tenha amigos... até aqueles que já foram.



Dedico esse texto há uma pessoa que mora em uma das gavetas mais especiais do meu coração, dedicada a palavras jamais esquecidas, de longas conversas indecifráveis. Obrigado pela paciência, por acreditar em mim de alguma forma, por ser sincera e sarcástica em diversas oportunidades, você viu de longe uma transição curiosa, como te disse uma vez, algumas pessoas são anjos... Fazem rir.

Com carinho, Emerson Teixeira. Seu amigo de Santa Branca, 
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